O cessar-fogo firmado em outubro de 2025 entre Israel e o Hamas trouxe à tona um novo capítulo na história turbulenta da Faixa de Gaza. Após mais de dois anos de guerra intensa, o grupo islâmico que há décadas domina o território palestino se vê enfraquecido, enfrentando não apenas a reconstrução física e política da região, mas também o desafio de conter o avanço de clãs rivais que disputam poder e influência.
O Vácuo de Poder Pós-Hamas
O Hamas, que desde 2007 governa Gaza com mão de ferro, perdeu parte significativa de sua capacidade militar e administrativa. A destruição de infraestrutura, a perda de líderes estratégicos e a pressão internacional minaram sua hegemonia. Com isso, o chamado "Day After" — expressão usada para descrever o cenário pós-conflito — se tornou um campo fértil para disputas internas.
A ausência de uma autoridade central forte abre espaço para o ressurgimento de clãs tribais e facções armadas que há muito tempo coexistem com o Hamas, ora como aliados, ora como adversários. Esses grupos, muitos deles com raízes familiares profundas e redes de apoio locais, agora vislumbram a oportunidade de ocupar o vácuo de poder.
Clãs Rivais: Quem São Eles?
Entre os principais clãs que desafiam o domínio do Hamas estão:
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Clã Doghmush: Conhecido por sua ligação com o grupo extremista Jaish al-Islam, o clã Doghmush tem histórico de confrontos com o Hamas e envolvimento em sequestros e atividades criminosas. Sua base está em Gaza City, e sua influência cresceu com o enfraquecimento da autoridade central.
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Clã Abu Samhadana: Com raízes na cidade de Rafah, esse clã tem conexões com a antiga liderança da Fatah e mantém milícias armadas que operam de forma semi-independente. Embora tenha colaborado com o Hamas em certos momentos, hoje representa uma força autônoma e potencialmente desestabilizadora.
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Clã Hilles: Também ligado à Fatah, o clã Hilles foi expulso de Gaza pelo Hamas em 2008, mas mantém influência na Cisjordânia e entre exilados. Com o novo cenário, há sinais de tentativa de retorno e reorganização.
Conflitos Recentes e Tensões Crescentes
Desde o cessar-fogo de 10 de outubro, confrontos entre o Hamas e membros de clãs rivais já resultaram em dezenas de mortes. Um dos episódios mais marcantes foi a execução pública de opositores por membros mascarados do Hamas, em uma tentativa de reafirmar sua autoridade diante da crescente fragmentação.
Esses episódios indicam que, longe de representar o início da paz, o "Day After" pode ser o prelúdio de uma nova fase de instabilidade interna. A repressão violenta, somada à ausência de um plano claro de reconstrução política, alimenta o risco de uma guerra civil entre facções palestinas.
O Futuro de Gaza: Reconstrução ou Fragmentação?
A comunidade internacional observa com apreensão. Propostas como a criação de uma força policial multinacional ou a reintegração da Autoridade Palestina ao governo de Gaza enfrentam resistência local e desconfiança entre os clãs. Enquanto isso, a população civil continua a sofrer com a escassez de recursos, o trauma da guerra e a incerteza sobre o futuro.
O enfraquecimento do Hamas não significa necessariamente o fim da violência — pode, na verdade, ser o início de uma nova era de disputas internas. O "Day After" será definido não apenas pela reconstrução física de Gaza, mas pela capacidade de seus líderes e comunidades de encontrar um caminho comum para a paz e a governança.